quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Um dos maiores atores de sua geração, Lázaro Ramos lida com a polêmica na novela 'Insensato coração' Plantão | Publicada em 22/01/2011 às 09h34m Rodrigo Fonseca

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RO - Assumir o papel do Don Juan número um de uma novela das nove - posto no qual nunca se veem atores negros - colocou Luís Lázaro Sacramento Ramos no centro das atenções em torno de "Insensato coração", no ar desde segunda-feira. Coube a ele viver André Gurgel, um designer cheio da grana, de mulheres e de autoestima, que sofre do chamado "complexo de José Mayer": conquistar (e arrasar) corações é seu vício. Vitaminado pelo carisma de suas experiências anteriores na TV, o prestígio de Lázaro é grande, sendo originário de suas incursões pelo palco, a partir de suas primeiras peças ao lado do Bando de Teatro Olodum, em sua Bahia natal. Mas foi no cinema que seu prestígio mais cresceu: desde a Retomada, ele é visto como um dos intérpretes mais criativos de sua geração, tendo sido ovacionado no Festival de Cannes de 2002, por "Madame Satã". Graças ao respeito de que desfruta, Lázaro pode encarar um personagem talhado para inflamar a audiência: o conquistador que se recusa a dormir mais de uma noite com a mesma garota. E como polêmica esperada é polêmica conseguida, em apenas cinco capítulos André dividiu calorosamente opiniões, não só por seus atos, mas também pelas estratégias interpretativas de Lázaro para tangenciar as raias que separam os Casanovas dos cafajestes.
- Sabe "House"? Pois é, eu comecei a ver a série há uns dois meses e percebi que o Dr. House começa como um caso de ame-o ou deixe-o. Mas, aos poucos, vê-se quem ele é de verdade. Com o André, não é diferente - explica Lázaro. - Ele se mostra odioso agora, porque já tirou algumas máscaras. Mas dos 80 capítulos que o Gilberto Braga já escreveu, eu só gravei 25. Ainda tem máscara para tirar.
Paternidade a caminho
No Twitter, há telespectadoras que se rasgam pelos jogos de sedução interpretados pelo baiano de 32 anos na relação de André com beldades vividas por Camila Pitanga e Deborah Secco. Mas há muitas internautas que questionam a escolha de Lázaro como "pegador" de plantão, reclamando, sem muito tato, que lhe faltam encantos para tal empreitada. Entre os críticos de TV, há quem defenda que, na pele de André, Lázaro compôs um sedutor exemplar. Mas há quem deprecie os rasgos cômicos de sua interpretação, definindo-a com a palavrinha "canastrice", substantivo raras vezes associado ao astro. Mesmo sem ter lido o que foi tuitadoou publicado sobre sua atuação, Lázaro considera esse racha de impressões saudável.
- Acho natural que as pessoas estranhem, porque eu, assim como o público, ainda estou descobrindo o André. Na TV, eu procuro encarar arquétipos novos. O Foguinho de "Cobras & lagartos", por exemplo, era um anti-herói que ganhava a torcida da audiência. O Evilásio de "Duas caras" era um herói do povo, que queria viver sua paixão por uma branca e realizar ideais políticos. Já o André... André é um arquétipo tão novo que nem sei como explicá-lo. Sei que ele é mais marrento do que o Romário e isso causa estranheza quando associado a um ator como eu, que, na TV, vinha fazendo sempre tipos simpáticos - diz Lázaro, que, paralelamente às gravações da novela, está ensaiando a peça "Namíbia, não", na qual dirige os atores Aldri Anunciação e Flávio Bauraqui, numa montagem prevista para março no Teatro Castro Alves, em Salvador.
Lázaro, de grande força dramática, é um artista que consegue, com galhardia, realizar integração sem humilhação
Gilberto Braga, que escreve "Insensato coração" em parceria com Ricardo Linhares, criou André com o ator em mente:
- Lázaro é o melhor dos nossos atores negros, e o papel de André foi concebido para ele. Se o Lázaro não existisse, André seria branco.
Gilberto confiou a um mito da militância contra o racismo, o veterano Milton Gonçalves, a tarefa de interpretar o pai de Lázaro em "Insensato coração": o alcoólatra Gregório.
- Lázaro, de grande força dramática, é um artista que consegue, com galhardia, realizar integração sem humilhação - diz Milton.
Filho de um operador de máquinas (hoje aposentado) do polo petroquímico de Camaçari e de uma empregada doméstica, Lázaro evita discutir a repercussão de André a partir de parâmetros raciais. Mesmo abordando diversidade cultural no programa "Espelho", que chegará à sua sexta temporada no Canal Brasil, ele não levanta bandeira.
- Quando eu tinha 14 anos, queria fazer o curso de teatro gratuito da Escola Técnica Anísio Teixeira. Mas só podia entrar lá se fosse estudante. Lá só tinha dois cursos: Desenho Industrial, para o qual eu não levava jeito, ou Patologia. Fui técnico em patologia por um tempo, para sobreviver enquanto me profissionalizava no teatro. Saía de casa às 5h e viajava para São Francisco do Conde, onde trabalhava num hospital colhendo fezes, urina e sangue. Tirando sangue da veia dos outros, eu vi muito pai de família do interior da Bahia, daqueles tipos severos, chorar diante da agulha. Tinha que saber tratar bem deles. Ali, eu aprendi como lidar com as pessoas - lembra o ator, que espera para julho o nascimento de seu primeiro filho, fruto de sua união com a atriz Thaís Araújo.
Livro infantil recém-lançado
Segundo Lázaro, a rotina hospitalar o preparou para as nuanças da expectativa.
- Entendo quando algumas pessoas me olham apenas pelo rótulo do ator negro. Quem me vê é meu cliente. É alguém que paga ingresso para me ver ou que dá audiência às novelas de que participo. Ele tem direito à opinião que quiser, porque tudo o que eu faço passa por uma sensibilidade que não é a minha. Um dia, no Bando de Teatro Olodum, falando da questão racial, Márcio Meirelles (diretor e criador da trupe baiana) me disse: "Você tem que aceitar as complexidades. Você é ator, ator negro e negro ator. É tudo isso ao mesmo tempo."
Colegas de Olodum elogiam a perseverança de Lázaro.
- Ele chegou entre nós muito novo e evoluiu rápido, por ter muita disciplina - diz Chica Carelli, coordenadora do Bando de Teatro Olodum.
De todos as passagens de Lázaro pelos palcos, poucas tiveram a retumbância estética e midiática de "A máquina", dirigida por João Falcão a partir do texto homônimo Adriana Falcão.
- Quando peguei o texto de "A máquina", fiz a maluquice de confiar o personagem principal a quatro atores: Vladimir Brichta, Gustavo Falcão, Wagner Moura e Lázaro. E a peça só virou o que virou por conta do talento deles - lembra João Falcão. - No convívio, percebi o quanto o Lázaro tem o pé no chão. E fui descobrindo o estrondo que ele é atuando.
Cineastas exaltam a determinação de Lázaro, que estreou no veículo em "Jenipapo" (1995), de Monique Gardenberg.
- Lazinho acrescenta tudo a um filme: humor, seriedade, jogo, troca, tesão e verdade. - diz Monique.
- Incrível na comédia, Lázaro tem fartos recursos também para o drama, porque lê muito, escreve e dirige - continua Jorge Furtado, que filmou "O homem que copiava", "Meu tio matou um cara" e "Saneamento básico" com o ator.
Este ano, na telona, Lázaro será visto ainda em "Amanhã nunca mais", comédia de Tadeu Jungle, e na coprodução parte africana, parte portuguesa e parte brasileira "O grande Kilapy", do angolano Zézé Gamboa. Até dezembro, ele deve entrar no setde "O grande circo místico", o novo longa de Cacá Diegues.
- Ele fará o único personagem do filme que não está no poema de Jorge de Lima: uma espécie de MC do circo que junta as quatro gerações da família Knieps - explica Cacá. - Lázaro é um ator que sabe o que e por que está fazendo.
Some aos atributos televisivos, cinematográficos e teatrais de Lázaro uma incursão pela literatura, na seara infanto-juvenil. Chegou às livrarias esta semana, pela editora Uirapuru, o primeiro romance do ator: "A velha sentada".
- É um livro sobre o uso responsável da tecnologia. Como embaixador do Unicef há um ano e dois meses, era importante falar para crianças - diz Lázaro. - Acho que a minha marca é a inquietude, porque quero ser escutado.

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