Texto de Joceval Santana, jornalista.
Profundo e belo. Ainda sob o impacto do que acabo de assistir, são essas qualidades que se insistem na minha cabeça quando mais penso em Bença, espetáculo encenado pelo Bando de Teatro Olodum e pelo diretor Marcio Meirelles. E encenado também por Jarbas Bittencourt, por Zebrinha, por Rivaldo Rio. Sim, porque Benção é uma "confirmação" - de artistas que vêm trabalhando e se entendendo com o Bando e que, nesse espetáculo, mostram o grau dessa compreensão mútua e a contribuição para o discurso cênico e constitutivo do grupo.
"Você pensa que quando está no palco está sozinho?", a pergunta era meio essa. E se aplica também ao caso dos colaboradores da montagem. Mas, claro, aplica-se mais às questões de ancestralidade e herança tratadas na peça, que, através da religiosidade, fala da memória e das marcas de identidade impressas em nós, afrodescendentes. E o Bando tem propriedade. Pela trajetória, pelo posicionamento, pela vivência, pela forma como se cosntitui artística e socialmente. Se não, como entender o corpo tão presencial de Rejane Maia, ou a força mobilizadora em cena de Valdinéia Soriano, ou a cadência cênica de Jorge Washington? São, no caso, exemplos de um caráter específico do Bando, na qual a performance é meio de afirmação de uma negritude. E isso fica muito claro em Bença.
O espetáculo é um assentamento, uma imersão. Um diálogo franco e envolvente com o candomblé - pelo seu caráter ritualístico, na utilização com elementos cênicos (corpo, voz, musicalidade), mas também como organização comunitária, lugar de vivência, de saberes e valores, pelos quais se evoca o posicionamento como membro de uma sociedade, elo de uma cadeia e parte de uma natureza eminentemente cíclica. Respeito e atitude.
Imergi no espetáculo através da sobreposição e simultaneidade das imagens, falas, cenas e depoimentos (ao vivo e em vídeo), pela fragmentação das narrativas, pelos deslocamentos cênicos, pelos ritmos, pela tonalidade de Bença, que em mim revigorou o caráter inexorável tempo.
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