segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Bando de Teatro Olodum leva cultura engajada para o palco

O grupo teatral mais negro do país comemorou 20 anos de estrada com encenação de peça

que faz reflexão sobre o respeito aos mais velhos.


Por Lúcia Rodrigues


Salvador, Bahia, 2010. Em tempos de xenofobia e racismo é da capital mais negra do país que emerge um grito de resistência contra essas formas de fascismo. Como o antepassado, Zumbi dos Palmares, que entrou para a história ao libertar seu povo do jugo opressor, o Bando de Teatro Olodum levanta sua voz e traz para o palco mais do que uma nova forma de interpretação, coloca na ribalta uma estética negra de se fazer teatro.

Essa forma revolucionária de atuação, que acaba de completar 20 anos de estrada, já revelou

para as telas o ator Lázaro Ramos, mas mais do que a pretensão de se transformar em celeiro de novos astros, o Bando quer dar voz àqueles que sempre estiveram alijados dos holofotes.

“A gente morava em uma cidade com maioria negra absoluta e não havia negros no palco, não havia uma dramaturgia negra”, relembra o diretor teatral Márcio Meirelles, um dos precursores do grupo.

Meirelles, que hoje está à frente da pasta da Cultura do Estado da Bahia, explica que o nome

da companhia teatral, que nasceu de uma parceria com o grupo de percursionistas do Pelourinho, foi uma forma de demarcar território em uma sociedade em que clivagem étnica é forte.

“Foi uma provocação. Bando é uma palavra pejorativa, um ajuntamento de marginais. Quisemos assumir justamente que o negro é perigoso quando tem uma arma. Porque a sociedade sabe onde colocou o negro e sabe que um dia ele não vai ficar no lugar onde está e que vai avançar de uma forma pacífica e de uma forma violenta também. Então quando se tem uma arma como a palavra e se está no palco, aí a gente passa a ser realmente perigoso”, enfatiza.

Além do conteúdo político, o secretário da Cultura revela que o nome do grupo também fez

um contraponto com a banda do Olodum. “Bando e banda foi uma brincadeira e ao mesmo tempo, uma provocação política.”

Hoje, o Bando não está mais ligado à banda do Pelô, cada um trilha carreira solo, se é que se

pode classificar assim coletivos. Ambos, no entanto, têm a mesma origem: emergiram da vontade de um povo de externalizar sua cultura.

No caso do Bando, seus atuais 18 atores e dois músicos vieram de uma rede de teatro amador e de bairro. “Alguns vieram de um grupo de teatro gerado dentro do movimento negro, que era mais de militância política do que de estética. Outros não tinham consciência de que eram negros e de que existia racismo. Eram alheios a isso e foram cobrados pelos companheiros que tinham essa consciência. Essa convivência foi dando ao grupo uma coesão nessa militância, que agora é parte do nosso trabalho”, frisa Meirelles, que não é afrodescendente.

O grupo carrega na bagagem de espetáculos, sucessos como Cabaré da Rrrrrraça e Ó Paí, Ó, que foi transformado posteriormente em filme e seriado para a televisão. Apesar da experiência bem sucedida do grupo e de um relativo retorno financeiro de bilheteria e direitos autorais, viver de teatro no Brasil ainda é uma tarefa difícil. Alguns artistas do Bando dividem o palco com outra atividade profissional. “Tem um que trabalha no almoxarifado de um hospital, outro é museólogo”, conta Meirelles.

“Não tem uma grana certa, por isso, a gente está sempre no palco para poder ter bilheteria”, explica Rídson Reis, de 22 anos de idade e cinco de Bando. O mais jovem ator da companhia

teatral divide seu tempo entre o tablado e o terceiro semestre do curso de engenharia civil que frequenta na Universidade Federal da Bahia, a UFBA. Ele sonha, no entanto, em poder viver só com o que recebe por sua arte.

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