segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Bença

 Valter da Mata*


“Esse chão aqui tem dono, chama por Deus e vombora.”, são com essas palavras, na voz de Arlete Dias, que tem início Bença** , o novo espetáculo do Bando de Teatro Olodum, em cartaz em curtíssima temporada até o dia 28 de novembro de 2010.
Quem adentrar o Teatro Vila Velha atrás do riso fácil, cacos e improvisações, certamente sairá decepcionado. Longe do ritmo nervoso de seus espetáculos mais famosos como Cabaré da RRRRRRaça ou Ó Paí Ó, Bença vem juntar-se a O Novo Mundo, na linha dos trabalhos mais introspectivos do Bando, resgatando histórias e saberes afrobrasileiros.

Ridson Reis, em performance no espetáculo Bença
Bença é um espetáculo denso, como diz o caderno é uma “homenagem ao tempo e aos mais velhos”. Bença possui um visual poderoso, é uma peça de imagens, onde a platéia é remetida a um passado não tão longínquo, para se  dar conta de como a modernidade pode ser prejudicial às relações humanas.
“Não pensem que quando vocês estão no palco representando, vocês estão sozinhos”. Vaticina Makota Valdina através de um vídeo tape. E realmente não estamos sós, em Bença a atmosfera é repleta de seres imateriais, energia ancestral. O texto é denso e repleto de informações auditivas , visuais e olfativas.
Senti-me extremamente incomodado ao ver minha imagem na tela, pois deu-me a idéia de que eu também era um ancestral, que meu tempo sobre a terra tinha passado, me colocou em contato com minha finitude, com a minha transitoriedade, que efetivamente algo que não pensamos. É um espetáculo complexo e belo, o texto de Márcio Meireles é uma celebração a ancestralidade, respeito e sabedoria.


            A atriz, Rejane Maia
Essa sabedoria a que o espetáculo se refere é o conhecimento dos mais velhos. Conhecimento esse cada vez mais desprezado pela neurose urbana e do desenvolvimento tecnológico. “O tempo pede tempo ao tempo pra agir. E a gente às vezes, não entendendo o tempo, se sente atropelado. Mas se for manso com o tempo, convive com ele e chega onde deseja, né?”. Fala também através do vídeo Bule Bule, outro ator “ad hoc” desse lindo espetáculo.
Bença nos fala do respeito aos mais velhos, que é essencial nas diversas culturas vindas de África. Somos convidados a refletir a simplicidade de outrora das relações interpessoais e o sentido de se sentir abençoado pelos mais velhos através do simples pedido: bença. “Coisa que hoje está se perdendo. E que antigamente era até comum. Na vida comum você tinha isso nas famílias. As famílias negras sobretudo: tinha-se muito respeito, muita reverência com aqueles mais velhos”. Nos informa Makota Valdina em outro momento importante.
Quando o espetáculo se encerrou, simplesmente tive dificuldade de aplaudir. Não pela qualidade da peça, ou do entendimento de que ali era o final da proposta (como aconteceu com algumas pessoas), mas sim pelo impacto que tais conteúdos me causou, as reflexões que ele me conduziu.
Bença é pra ser assistida mais de uma vez, o palco é gigantesco e nele os lindos atores do Bando de Teatro cantam, dançam , tocam, filmam e representam com maestria. A coreografia de Zebrinha é contida e oportuna para o espetáculo, assim como o figurino clean de Zuarte Júnior.
Parabéns ao Bando de Teatro Olodum, que no seu aniversário de 20 anos, nos brinda com esse lindo espetáculo.
Bença Bando!
 **Bença é a forma que a palavra benção é dita no estado da Bahia.
*Valter da Mata é Psicólogo e Mestre em Psicologia Social. Está Presidente do Conselho regional de Psicologia da Bahia e também fã do Bando de Teatro Olodum.

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Um comentário:

Rose/PérolaNegra disse...

Gostei muito do texto... assistirei o bando no RJ e poderei constatar de perto toda essa emoção...
Bença Valter!
Bença Bando!
Bença!!
Rose