segunda-feira, 9 de julho de 2012

Rio dos Macacos: Bando de Teatro Olodum é impedido de entrar no local



Mais um impasse entre os moradores da Quilombo Rio dos Macacos e a Marinha do Brasil (MB) marcou a manhã deste domingo (8). O elenco do grupo Bando de Teatro Olodum, que faria uma leitura dramática de um dos seus espetáculos às 10h na comunidade, localizada próximo à Base Naval de Aratu, em Salvador, foi impedido de entrar no local pela MB. O ex-secretário estadual da cultura e diretor do grupo teatral Márcio Meirelles esteve no local e tentou negociar com o comando do distrito naval o acesso ao quilombo, mas foi em vão.

Segundo o advogado da Associação de Advogados de Trabalhadores Rurais no Estado da Bahia (AATR-Ba), Pedro Diamantino, todo o grupo esteve na portaria da Base Naval por cerca de três horas na tentativa de a entrada ser liberada. Por volta das 11h30, Márcio Meirelles informou que o acesso não seria autorizado no dia, mas que na terça-feira (10), ele e a MB voltariam a conversar, com um pedido formal, sobre a possível realização do evento na comunidade.

Segundo Meireles, o comandante da Base Naval de Aratu, Marcos Costa, teria alegado que não houve um pedido formal da companhia de teatro solicitando a entrada do grupo e realização do evento e, com isso, a MB não pôde autorizar o acesso. Ainda segundo Meirelles, o comandante teria dito que soube do evento pelas redes sociais e que, por se tratar de uma área de segurança nacional, não poderia liberar a entrada de cerca de 80 pessoas, que não estão cadastradas, sem que houvesse uma ordem de autorização.

Meirelles, no entanto, se mostrou otimista quanto à possibilidade da realização do encontro na próxima terça. "O bom senso diz que um grupo de teatro não é algo que vá pôr em risco a segurança do local", disse. O diretor informou ainda que a MB também está ciente sobre o tema do espetáculo. "Eles sabem que é um ato de apoio à comunidade por questões históricas, culturais e até políticas. Tem gente aqui [no Quilombo Rio dos Macacos] que nunca foi ao teatro, nunca viu o teatro. E o termo teatro significa isso 'onde se vê'", falou.

O texto da montagem “Candaces, a Reconstrução do Fogo” ressalta mitos e símbolos da ancestralidade africana no Brasil, além de contar a história de resistência das rainhas guerreiras associada à luta da comunidade quilombola pela dignidade e em defesa do seu território.

Para o advogado Pedro Diamantino, a atitude da Marinha é um falta de respeito aos direitos humanos. "Não permitir uma manifestação artística cultural é restringir todos os níveis dos direitos humanos. É inacreditável como isso ainda está acontecendo em 2012", declarou. Ele explicou que caso o grupo tentasse entrar por outras vias de acesso, a MB poderia considerar “violação de área de segurança nacional”.
A representante da Associação dos Quilombolas, Rosimeire dos Santos, lamentou o fato de a companhia de teatro não ter consigo acesso à comunidade. “O que eles fizeram foi tirar o direito que uma pessoa normal tem. A comunidade vive como uma verdadeira senzala. Impediram hoje como todas as outras vezes. Infelizmente esse é o governo que a gente tem”, declarou.

A reportagem de A TARDE entrou em contato com a Marinha do Brasil. Ela informou que uma nota oficial deverá ser divulgada à imprensa a partir desta segunda-feira (9).
Declarações - O Comando do 2º Distrito Naval divulgou nota oficial no dia 14 de junho [leia na íntegra - arquivo PDF], informando que o terreno onde está instalada a comunidade quilombola pertence à União Federal, estando sob a administração da MB, e que os moradores de Rio dos Macacos "residem irregularmente" na localidade. Segundo a nota, a "área foi desapropriada na década de 50, mediante justa e prévia indenização, estando consignado no processo que a empresa expropriada detinha a sua posse mansa e pacífica, sem contestação nem oposição de quem quer que fosse".

No dia 28 de junho, 14 dias após o comunicado da MB, a comunidade quilombola respondeu às acusações, divulgando material com a sua versão da história. Em nota de esclarecimento [leia na íntegra - arquivo PDF], os moradores do Rio dos Macacos informou que a MB é "omissa aos fatos que reiteradamente vêm acontecendo na comunidade".

Entre as justificativas e queixas, o documento dos quilombolas diz que "A MB afirma colaborar para uma solução pacífica e célere que atendesse aos interesses de ambas as partes, informando que colocou à disposição da comunidade um terreno a 01 km do local. No entanto, além de não levar em consideração o nosso desejo e nosso direito de permanecer em nossa terra, em nenhum momento este projeto foi apresentado de forma oficial, o que reitera a prática da Marinha do Brasil de não cumprir os acordos “informais” até então firmados, como o não uso da violência e o fim do patrulhamento ostensivo no território do quilombo".

Episódio - No dia 28 de maio, o comando da MB esteve no Quilombo Rio dos Macacos para impedir a construção do imóvel de um morador antigo da comunidade, José de Araújo dos Santos. Ele teve a casa demolida por conta da chuva e resolveu construir em um outro espaço, dentro do quilombo.
A nota enviada pela MB explica que "os moradores não podem realizar qualquer tipo de intervenção no bem, sem a devida autorização judicial". José de Araújo deu início à construção e teria continuado, mesmo após notificação da MB e, por isso, mediante determinação de imediata paralisação de qualquer construção, oficiais da Marinha foram ao quilombo paralisar a obra.

O Comando do 2º Distrito Naval também negou as acusações de ameaças e maus tratos aos moradores de Rio dos Macacos. "O tratamento dispensado pela Marinha do Brasil aos moradores sempre foi respeitoso e humano, e todas as denúncias de conflitos envolvendo militares, que chegaram ao conhecimento do Comando do 2º Distrito Naval, foram devidamente apuradas, por meio dos procedimentos investigatórios pertinentes, não tendo sido encontrado, até o presente momento, qualquer indício que confirmasse a veracidade das acusações".
Fonte:A Tarde Online

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