domingo, 25 de abril de 2010

Notas de Sampa II

Para não dizer que falei das flores - Bando de Teatro Olodum termina temporada em São Paulo e deixa saudades

Por Sérgio Cumino

A passagem do grupo Bando de Teatro Olodum por São Paulo, que ocorreu do dia 09 a 19 de abril de 2010, com um pequeno repertório de três espetáculos da companhia, é mais uma contribuição inestimável não só a platéia paulistana, como a todo o país. Os espetáculos trazidos aos palcos de Sampa foram CABARÉ DA RRRRRAÇA, Ó PAÍ Ó, e o infanto-juvenil ÁFRICAS.

Quando escrevi sobre o grupo, me ative na questão empreendedora de um produto cultural, somos criativos, mas não empreendedores, e que o Bando assume primorosamente a condição de formador de opinião isso não se tem duvidas, por conta disso, achei bom salientar a questão. Hoje vou me ater a as questões artísticas.

Para não dizer que não falei das Flores, parodiando a musica de Geraldo Vandré, assim como a musica se tornou antológica no panorama da resistência da sociedade contra ao regime opressor, o espetáculo CABARÉ DA RRRRRAÇA, cumpri esse papel. O espetáculo foi o divisor de águas do grupo, o que dinamizou não a estética, mas o ideológico da companhia. Se o Bando me apresentasse o texto, falasse à concepção que pretendia dar ao espetáculo, diria: “O texto é extremamente panfletário, portanto, não é a melhor forma para um espetáculo teatral, há riscos evidentes, como ficar preso a um seguimento, enfraquecendo a diversificação do publico. Uma concepção a Brecht é interessante, mas a tese e antítese se misturam, esfumaçando a idéia central da ação, e etc. e tal. Portanto não é o melhor formato!


O Bando disciplinado que são,(não há sucesso numa Cia de teatro sem disciplina) ouviriam, dariam uma pausa de reflexão, respiravam e num uníssono grito diriam: NÃO É A MELHOR FORMATO O CARALHO! (um dos jargões do espetáculo). Ai que esta a alma da companhia, o gosto e amor pelo que fazem, rompendo padrões buscando linguagens. Através de uma postura consciente e ostensiva, faz do grupo arte em si. A grande ARTE do Bando não se limita ao espetáculo, e sim o Bando, uma ARTE em movimento constante, onde suas conquistas, erros e acertos, dão a dinâmica o ritmo, que faz dessa companhia um dos grandes nomes do teatro nacional.

Flor Universal
Para não dizer que não falei das flores, falarei agora de uma flor universal. Cito o espetáculo Ó PAÍ Ó, cujo processo de criação aconteceu através de um laboratório de improvisações feito pelos atores, assim o grupo parte de uma premissa, Nietscheniana onde o melhor de uma obra de arte esta no ato de criação, numa linguagem mais popular “o arroz e feijão”, e o que assistimos quando prestigiamos a Cia. nos palcos, é a sobremesa.Que diga-se de passagem é deliciosa. Mergulhar num tema buscando na experiência de cada um, como num resgate de vivencias, onde a doação individual, privilegia todo resultado final, o espetáculo, o público. O fortalecimento da Cia como ARTE viva, esta nesses processos de entrega em prol de uma coisa maior numa espécie de psicodrama social. Com Ó PAÍ Ó, o trabalho do Bando, foi além dos tablados, atingindo o cinema e a televisão, porque o grupo aprendeu como ser universal, “fale do seu cortiço e estará falando do mundo”.

Espetáculo Afirmativo
Para não dizer que não falei das flores, essa flor mítica, espetáculo ÁFRICAS. A meu ver o Bando se supera, é um espetáculo afirmativo, universal, poético e mítico. E mesmo sendo destinada a categoria infanto- juvenil, podemos dizer que é permitido para adultos. O publico era na maioria de adultos, casa cheia como todo teatro deveria ter, além de minutos de aplauso, ao término da apresentação, olhos lacrimejavam inclusive desse paulistano racionalista que vos escreve. A peça pega o publico pelos arquétipos, e mitos e toda uma beleza estética. Na psicologia junguiana diz que naqueles momentos raros de êxtase, que temos em nossas vidas encontramos o Santo Graal, essa sensação que me causou me deparando com a completa harmonia cênica que esse Bando me proporcionou.

A imagem da flor em ÁFRICAS considerando o conjunto, a comparo para dar a devida imagem da obra artística e seus signos harmônicos, a arte japonesa do arranjo de flores Ikebana. Nessa arte a flor é o modelo de desenvolvimento da manifestação espontânea, sem artifícios e, no entanto perfeita. Efetua-se como um esquema ternário: o galho superior do céu (olorum) o galho do meio o homem, e o galho inferior, o da Terra, Homem mediador entre o céu e a Terra.

Sempre quando surgem um espetáculos que vêem em seu release histórias do mito africano, vem à mente um conjunto de elementos cênicos convencional, no formato das lendas com elementos tradicionais do candomblé, vestimentas dos orixás como as dos rituais, sem dizer nas cantigas usadas no ilê, todos esses elementos dentro de um culto, são a composição ritual da mitologia. Quando levadas ao um espetáculo ela se torna uma alegoria. Enquanto o mito aponta para algo indescritível que esta além de si mesmo, a alegoria no teatro é apenas uma história ou imagem que ensina uma lição pratica. O espetáculo ÁFRICAS, subverteu esse sistema, saindo da convencional leitura dos mitos africanos, surpreendendo o publico levando a cena, o mito, induzindo a platéia transcender a relação com o presente, e quase que num transe nos levou a toda uma mitologia que pulsa em nosso subconsciente resgatando nossos arquétipos num rito cênico criando uma sinergia no inconsciente coletivo de todos.

Aprendemos com a mitologia africana que tudo que tem no universo existe em nós, todos os elementares. O que impressionou foi à sensibilidade do Bando de transformar esse conceito de forma cênica, essa é a magia do espetáculo. Atores transformando-se em rio, sem nenhum recurso, somente com seus corpos, e o publico visualizar de fato o rio. Assim como a representação do Oxumarê numa coreografia primorosa, víamos o Orixá em cena.

Assinatura
A alma do arranjo de flores, cuidada por mãos abençoadas, a assinatura da coreografia dos três espetáculos em questão fica por conta do Zebrinha, primoroso trabalho, uma das dificuldades que um coreografo mais tem. São criar coreografias para atores (não bailarinos) o que no caso desse artista posso dizer que tem as mãos abençoadas por Oya, que fazem do elenco bailar com a graça dos bambuzais. Não há uma dança sem a magia da musica essa cuja Direção Musical, de Jarbas Bittencourt em ÁFRICAS assina as músicas, onde as melodias tornam a viagem mais saborosa. A Direção de CABARÉ DA RRRRRAÇA e Ó PAÍ Ó, leva a assinatura de Marcio Meirelles, e a Co-Direção de Chica Carelli que assina a Direção de ÁFRICAS. Esses nomes com apoio de uma equipe técnica e produção comprometida são os artistas responsáveis pelo arranjo dessas flores que é esse elenco maravilhoso, o que faz do Bando de Teatro Olodum A ARTE EM SI.

SÉRGIO CUMINO - Ator e Diretor de Teatro, poeta, gestor e formatador de projetos sócio-culturais e colaborador com Correio Nagô

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